Procura-se profissionais com Certificação em Ética 2.0

Como a perda de valores básicos na educação familiar e escolar conseguem comprometer os pilares da segurança da informação em qualquer organização.

“Procura-se profissionais da área de Tecnologia da Informação com Certificação em Ética Fundamental – CEF 2.0, conhecimentos avançados em Técnicas de Honestidade Corporativa versão 1 – THCv1 e experiência prática comprovada em aplicações de Humildade Comportamental – HC Practice. Quanto ao restante dos conhecimentos técnicos necessários para exercer a função, não se preocupe, qualquer profissional com um pouco de dedicação poderá aprender em nossa empresa.”

Se fosse possível existir tal anúncio de emprego solicitando profissionais com este perfil, poderíamos garantir que o selecionador já encontraria alguns problemas, logo no início. O primeiro problema seria identificar nas eventuais entrevistas quais candidatos já estariam apresentando falsas informações em seu currículo, isso porquê tal prática ainda é comum em um mercado onde facilmente encontramos profissionais sem princípios éticos básicos, nem ao menos para redigir um documento simples como um currículo. O segundo seria a dificuldade em preencher uma vaga com critérios “tão rigorosos nos atuais dias”, contendo atributos como ética, honestidade e humildade em seus pré-requisitos, pois um bom recrutador sabe quanto um profissional com estas características é valorizado dentro das organizações que cumprem à risca sua Carta de Valores.

Boas empresas dificilmente deixam este profissional sair de seu quadro de colaboradores, pois sabem que nem a melhor universidade ou treinamento técnico poderá oferecer estas características no seu processo de formação. Isso é algo que se aprende no berço, ou seja, são características do indivíduo originadas em sua formação familiar e educacional, desde criança e como poderemos observar no decorrer deste artigo, não se trata de uma opinião meramente pessoal.

De acordo com o autor Antonio Lopes de Sá em seu livro “Ética Profissional” – (São Paulo: Atlas, 2000), “A ética é um estado de espírito é quase hereditário e vem da formação e meio social no qual a criança teve sua personalidade moldada, burilada para ingressar no convívio da sociedade, que é o que popularmente se denomina berço; e moral é adquirida por meio da educação formal e da experiência de vida”. 

Sem compreender esta questão, a organização contrata o profissional que tecnicamente atende todos os requisitos para o cumprimento de suas funções e o mantém de acordo com os resultados de sua performance, mas esquece de avaliar continuamente aspectos emocionais e comportamentais deste colaborador junto aos seus pares e seus clientes. É este ponto muitas vezes ignorado ou até acobertado internamente que acaba por expor a organização ao pior tipo de ameaça à segurança do negócio, a ameaça interna de um funcionário. Enquanto muitas organizações investem o dinheiro protegendo o negócio contra diversas ameaças externas, deixam de notar que o funcionário mal intencionado já pode estar dentro do perímetro, com acesso a inúmeras informações e algumas vezes sem qualquer monitoramento de suas atividades.

Em uma pesquisa realizada pela consultoria KPMG em 2009, fora perguntado a diversos gestores quais seriam as principais razões para o crescente índice de fraudes nas organizações e entre as principais razões, destacam-se com expressivo resultado a questão da impunidade e da perda de valores sociais e morais, seguido por outros fatores organizacionais e econômicos:

  • 63% – Perda de valores sociais e morais.
  • 56% – Insuficiências de sistemas de controles.
  • 53% – Impunidade.
  • 16% – Alteração da organização da empresa.
  • 11% – Problemas econômicos.
  • 3% – Outros.

Para confirmar esse desastroso cenário, outra consultoria, a ICTS Global divulgou em 2012 os resultados de sua pesquisa “Perfil Ético dos Profissionais das Corporações Brasileiras”, apresentando um perfil interessantes dos fraudadores e como estes podem comprometer a maior parte da organização, caso esta não tome ações de mitigação de riscos:

  • 11% dos profissionais não possuem conduta ética em seu ambiente de trabalho.
  • 20% dos profissionais apresentam boa conduta independente do cenário.
  • 69% dos profissionais podem ou não cometer ato fraudulento, dependendo das circunstâncias.

Observem que estes 11% de profissionais mal intencionados podem influenciar os demais 69% no cometimento de atos fraudulentos dentro da organização e isso é algo gravíssimo que nada mais é do que um reflexo da sociedade brasileira, que não carrega mais consigo valores como ética, honestidade e respeito ao próximo. E isso não será solucionado com soluções tecnológicas de proteção e monitoramento ou com palestras motivacionais, como muitos acreditam. Essa ameaça só poderá ser mitigada se tratada ainda em seu estágio inicial, ou como disse o autor citado anteriormente, no berço. Não que determinadas ferramentas não sejam importantes, elas podem ser úteis na redução da impunidade, uma vez que elas auxiliam a organização na identificação do ato ilícito e de seu autor. O problema é quando os princípios que regem determinadas organizações em seu dia a dia a impedem de ser um modelo de conduta ética.

É claro que a introdução deste hipotético cenário de contratação serviu apenas para ilustrar o desastroso momento pelo qual estamos passando no Brasil. O país vive uma crise moral, de perda de valores básicos que estão afetando não somente o meio corporativo, mas todas os setores da sociedade, e isso não está baseado apenas em nossa percepção diária, nas experiências negativas que vivemos no cotidiano, mas está cada vez mais alicerçada em pesquisas e estudos socioeconômicos que nos dão números preocupantes do crescimento de fraudes e incidentes que comprometem a segurança das informações, sejam elas pessoais ou corporativas, levando a todo tipo de prejuízo, sendo que algumas vezes de valor imensurável e irrecuperável.

E olhando pra frente, o futuro não parece nada promissor, no que se refere a possibilidade de reduzir estes riscos em curto prazo, justamente porque as organizações não possuem condições para mudar as características culturais presentes no perfil do profissional brasileiro, que carrega consigo hábitos e costumes provenientes de uma sociedade que na prática não valoriza aspectos educacionais, éticos e morais, desde o início da formação intelectual, ainda criança.

Conhecimento técnico se ensina, até um robô pode fazer o seu trabalho, por mais técnico que seja, porém ética, respeito, honestidade e humildade é algo ligado ao íntimo da pessoa, algo que deveria vir de uma boa estrutura familiar e educacional ou pelo menos como consequência de duros aprendizados ao longo da vida. Mas a sociedade cada vez mais dependente de tecnologia parece acreditar que a solução virá por um simples App.

 

Publicada originalmente em 13/02/2014: Portal Imasters / ABCTec

Imagens: Pixabay

Texto: Roberto Henrique – Analista de Seg. da Informação – ABCTec